"Com essas eleições, Montenegro tenta resolver dois problemas: por um lado se legitimar novamente em termos eleitorais e, a partir daí, assegurar a sua sobrevivência política e aumentar um pouco a diferença para o Partido Socialista", explica o professor. "Ele já tinha dito que mesmo que sofresse alguma investida do sistema judicial, não se demitia, e se ganhar as eleições ganha legitimidade eleitoral".
O PS, com Pedro Nuno Santos de candidato, ocupa o segundo lugar nas pesquisas, com pouca distância, mas com pouca chance de vitória. "O PS tem feito a campanha possível para um partido com um novo secretário-geral, depois de ter estado oito anos no poder, e com um governo que tem apenas um ano de duração, que é uma conjuntura que não favorece o retorno dos socialistas ao poder", analisa Costa Pinto.
Em terceiro lugar está o partido da direita radical Chega, que mantém mais ou menos o percentual de votos que teve nas eleições passadas, com 18,1% das intenções de voto. O partido de André Ventura teve, na última ida às urnas, um aumento de 12 para 50 deputados, mas não chegou a entrar no Executivo. "Nunca vou fazer um acordo político com o Chega. Não, é não", prometeu Montenegro em campanha. E cumpriu, preferindo governar em minoria.
Segurança e imigração
Meses antes, foi polêmica a ação policial desencadeada no bairro de Martim Moniz em Lisboa, um bairro caracterizado pela imigração asiática. As imagens mostravam um enorme aparato policial, dezenas de imigrantes encostados à parede dos edifícios, de mãos para o alto, sendo revistados pelos policiais, no que foi denominado como uma "operação especial de prevenção criminal".
Já durante a campanha, o governo anunciou a expulsão de 18 mil imigrantes, dos quais 449 são brasileiros, por não cumprirem os requisitos para continuarem no país. A decisão anunciada faz parte de um processo de regularização de imigrantes que conta com mais de 110 mil pedidos e dos quais, segundo o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, "a maioria será deferida".

Ainda assim, e apesar da diferença de números, o governo preferiu centrar a comunicação nos 18 mil que vão ter de abandonar o país. "Essa informação confirma que a política de imigração em Portugal passou a ser de imigração regulada, que as regras de imigração são para cumprir e que a sua desobediência tem consequências", disse Leitão Amaro.
"Em ciência política isso se chama fenômeno de acomodação dos temas dos partidos mais radicais. Pelo menos em teoria, a estratégia do governo de Montenegro é esvaziar, em termos programáticos, a agenda do Chega, assumir os temas que lhe são mais caros, adotar medidas que estão mais associadas a ele e, com isso, retirar os motivos que os eleitores teriam para votar no Chega, atraindo eles à AD", explica Ferrinho.
Se a estratégia dará frutos é algo que ainda não é possível saber. "Muitos estudos sugerem que quando a centro-direita assume os temas da direita radical, em questões como nacionalismo, segurança e imigração, muitas vezes as pessoas preferem votar no "original" e não na "cópia", e o que se verifica é um aumento do voto na direita radical", continua o cientista político.
Sucessão de escândalos
Do comportamento do potencial eleitorado da direita radical depende, muito em parte, o resultado deste domingo "Parece que estamos diante do início de um processo de estagnação", diz Ferrinho, "mas os dados que temos não indicam uma grande queda."
Isso tudo, apesar dos escândalos que envolveram o partido no último ano. O mais grave deles, o do vereador da cidade de Lisboa, Nuno Pardal, acusado de prostituição infantil por manter relações sexuais com um rapaz de 15 anos a quem pagou 20 euros, ao mesmo tempo que, publicamente, dizia que "a proteção dos menores contra a exploração sexual e o abuso sexual é um ponto fundamental da Justiça para o Chega", e defendia a castração química para quem tivesse relações sexuais com menores.
Outro dos casos mais badalados foi o de Manuel Arruda, que todas as semanas viajava em avião entre Lisboa e a ilha de São Miguel, nos Açores, viagens que aproveitava para roubar malas cujo conteúdo vendia na plataforma de venda de objetos de segunda mão Vinted. A polícia encontrou 17 malas no seu domicílio.
Finalmente, José Paulo Sousa, deputado regional do Chega, foi detido pela polícia por conduzir em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool de 2,25 gr/litro. Segundo a legislação portuguesa, conduzir com mais de 1,2 gr/litro é crime passível de prisão.
Num partido cujo lema é "limpar Portugal", os três casos caíram como uma bomba. Nuno Pardal se demitiu, Manuel Arruda abandonou o partido e continuou como deputado independente depois de André Ventura ter pedido a sua demissão, e Sousa continua no partido regional, com André Ventura defendendo que "o deputado assumiu a sua culpa".
Se os três casos parecem não passar a fatura ao partido, na semana passada, os resultados do estudo europeu From provider to precarious: how young men's economy decline fuels the anti-feminist backlash [De provedor a precário: como o declínio da economia dos homens jovens alimenta a reação antifeminista] parecem reforçar a sua posição, revelando que os rapazes portugueses votam cinco vezes mais na direita radical do que as mulheres jovens. Trata-se do segundo número mais alto da União Europeia.
As razões, aponta o estudo, estão no "declínio em termos de riqueza, emprego, poder de compra e nível de escolaridade e saúde mental" que faz com que os jovens com menos de 25 anos se sintam atraídos pela "visão tradicional da masculinidade" que defendem os movimentos da direita radical.
"O Chega parece estar mais ou menos no mesmo patamar de um ano atrás, por volta dos 18%, 19% dos votos, e isso pode depender também da adesão às urnas", explica Ferrinho. "Num país com tantas repetições eleitorais, os eleitores podem acusar uma certa fadiga que os leve a uma maior abstenção e isso pode contribuir para uma menor concentração de votos no Chega", expõe.
Da mesma forma que "o fato de o Chega continuar sem ser um aliado possível para um governo de direita pode fazer com que os eleitores decidam concentrar o voto útil na AD, ou até na Iniciativa Liberal", partido de direita liberal.
O que parece certo é que, seja qual for o resultado de domingo, Portugal vai voltar a ter um governo minoritário, obrigado a muita negociação para conseguir manter a estabilidade no país.